quinta-feira, 10 de novembro de 2011

LEMBRANÇA DE MORRER -Álvares de Azevedo


Quando em meu peito rebentar-se a fibra
Que o espírito enlaça à dor vivente,
Não derramem por mim nenhuma lágrima
Em pálpebra demente.

E nem desfolhem na matéria impura
A flor do vale que adormece ao vento:
Não quero que uma nota de alegria
Se cale por meu triste pensamento.

Eu deixo a vida como que deixa o tédio
Do deserto o poento caminheiro
- Como as horas de um longo pesadelo
Que se desfaz ao dobre de um sineiro;

Com o desterro de minh’alma errante,
Onde fogo insensato a consumia:
Só levo uma saudade – é desses tempos
Que amorosa ilusão embelecia.

Só levo uma saudade – e dessas sombras
Que eu sentia velar nas noites minhas...
De ti, ó minha mãe! Pobre coitada
Que por minha tristeza te definhas!

De meu pai... de meus únicos amigos,
Poucos – bem poucos – e que não zombavam
Quando, em noites de febre endoidecido,
Minhas pálidas crenças duvidavam.

Se uma lágrima as pálpebras me inunda,
Se um suspiro nos seios treme ainda,
É pela virgem que sonhei... que nunca
Aos lábios me encostou a face linda!

Só tu à mocidade sonhadora
Do pálido poeta destas flores...
Se viveu, foi por ti! E de esperança
De na vida gozar de teus amores.

Beijarei a verdade santa e nua,
Verei cristalizar-se o sonho amigo...
Ó minha virgem dos errantes sonhos,
Filha do céu, eu vou amar contigo!

Descansem o meu leito solitário
Na floresta dos homens esquecida,
À sombra de uma cruz, e escrevam nela:
- Foi poeta – sonhou – e amou na vida. -

Sombras do vale, noites da montanha
Que minh’alma cantou e amava tanto,
Protegei o meu corpo abandonado,
E no silêncio derramai-lhe um canto!

Mas quando preludia ave d’aurora
E quando à meia-noite o céu repousa,
Arvoredos do bosque, abri os ramos...
Deixai a lua pratear-me a lousa!

Nenhum comentário:

Postar um comentário